A situação do setor elétrico está tão absurda que só com a ajuda de uma fábula é possível perceber a sua gravidade com certo humor. Aqui, um imaginário diálogo entre um LOBO, o Governo e a OVELHA , a Eletrobras. Data, algum mês antes de setembro de 2012.
LOBO – Olha aqui, Eletrobras, eu decidi que, para renovar as concessões das suas usinas que vencem em 2015, você vai ter que aceitar os meus termos.
OVELHA – Ué? Mas estamos em 2012! Por que adiantar o fim das concessões? A constituição não manda licitar ao final do prazo? Por que essa pressa?
LOBO – Porque a tarifa brasileira está muito alta e a indústria anda dizendo que a culpa é das usinas antigas.
OVELHA – Mas isso não é verdade! Se não tivessem ocorrido amortizações anteriores, como é que a tarifa em 1995 era 80% mais barata do que a atual? Depois, quem extinguiu o regime de serviço público e implantou o preço de mercado, inclusive para as estatais, foi V. Exa. mesmo!
LOBO – E você acha que eu vou enfrentar a poderosa FIESP? Eu vou é editar uma medida provisória inventando um novo método de avaliação de ativos, o Valor Novo de Reposição. A indenização vai ser calculada sobre uma “usina virtual” semelhante a de vocês. Podem rasgar seus balanços anteriores.
OVELHA – Mas….com todo respeito, isso não tem sentido! Não há duas usinas hidroelétricas iguais! Elas foram construídas em épocas diferentes com distintas realidades econômicas. Além disso, comparar uma usina com um projeto básico pode até superestimar um investimento! Porque não usar o que está contabilizado, que foi baseado num rígido manual aprovado pela ANEEL?
LOBO – Porque a FIESP disse que as suas usinas estão caras porque até essas novas S. Antonio, Jirau, Belo Monte ganharam leilões com preços abaixo do que vocês estão vendendo.
OVELHA – Ué? Mas nós não decidimos os preços! Eles surgiram do modelo imaginado pelo governo FHC, mas que foi implantado por V. Exa! Além disso, essas usinas que a FIESP cita nem prontas estão! Ninguém sabe se o preço final será esse! Se V. Exa. examinar os dados de custos dessas usinas e aplicar nas minhas contas, vai ver que o consumidor já pagou por 80% dos nossos investimentos! Isso já daria uma redução….
LOBO – (Interrompendo) Pode até ser, mas não vai dar não! A tarifa final tem que ser reduzida em 20%! Eu já prometi! Além da indenização baixa, eu vou arquitetar também uma metodologia que vai decretar seus custos de O&M. Vocês vão ter que se contentar com uns R$ 10/MWh.
OVELHA – O que? Isso vai nos arruinar! V. Exa. está com o alvo errado! Olhe os dados da ANEEL do ano passado. O kWh numa conta só pesa 30%! Só 20% das usinas estão em final de concessão e nem toda energia vem de hidráulicas. Se entregássemos a energia de graça a redução não passaria de 5%! V. Exa. não pode diminuir a carga tributária?
LOBO – Mas eu vou fazer a mesma coisa na transmissão. Vai ser tudo reavaliado com o Valor Novo de Reposição. Você acha que sou louco de mexer nos impostos?
OVELHA – Mas a transmissão não passa de uns 6% na conta! V. Exa. pode colocar o sistema em risco. Já pensou no que vai ocorrer quando um transformador tiver que ser trocado?
LOBO – Ahhh….abre-se um processo na ANEEL. Cria-se um novo ativo, o transformador.
OVELHA – Quer dizer que a usina passa a ser um ativo da União e meu novo ativo fica dentro do ativo da União? No transformador eu sou uma concessionária, mas na usina eu sou só uma administradora de manutenção e mão de obra? Se ocorrer algum acidente com o meu ativo decorrente de problemas de equipamentos classificados como ativo da União, como é que fica?
LOBO – É…não sei. Se fosse uma empresa privada iria processar a União. Mas vocês não vão fazer nada.
OVELHA – Mas, V. Exa. há de reconhecer que esse sistema não é praticado em nenhum outro país. Por exemplo, os Estados Unidos mantêm os mesmos concessionários desde que o contrato de concessão seja cumprido. As tarifas são reduzidas porque a amortização e depreciação são calculadas ano a ano contabilmente. Na realidade nem é preciso esperar 30 anos para se valer da amortização de investimentos. Era o sistema que tínhamos antes de 1995…..
LOBO – (Interrompendo) É, mas mudou….sabe como é….mercado…a onda que tomou os sistemas elétricos na década de 90.
OVELHA – Se V.Exa. me permite a observação, nem todos seguiram essa moda. Canadá e Estados Unidos são exemplos. A nossa tarifa é o triplo da de Quebec…o dobro da de Washington D. C. Isso não tem nada a ver com ser privado ou estatal. É simplesmente um regime contábil….
LOBO – (Bruscamente) Não estou gostando nada dessa conversa. Vai ser como estou dizendo…
OVELHA – Desculpe a atrevimento, mas esse não é o primeiro golpe que V.Exa. me impõe. Quando manteve o modelo do governo FHC, e descontratou nossas usinas em 2003, V. Exa. sabia que o mercado tinha caído 15% e, ao nos manter descontratados e obrigados a gerar, criou um verdadeiro “Bolsa MW” no mercado livre! Foi a nossa energia que, liquidada a R$ 4,00/MWh, fez a festa dos consumidores livres.
LOBO – Eletrobras, você está abusando da minha paciência! Eu sou o acionista majoritário e mando aqui.
OVELHA – Mas….há outros acionistas! Sabe qual vai ser a queda da minha receita? Setenta por cento! V. Exa. conhece algum outro exemplo no mundo?
LOBO – Chega de conversa. A tarifa tem que ser reduzida e vocês são o elo mais fraco. A partir de outubro, depois do anúncio da medida provisória, em 11 de setembro, nós vamos ligar as térmicas no máximo. Sem o anúncio da redução, como é que nós iriamos colocar térmicas na base?
OVELHA – Ahhhh…então V. Exa. sabe que o sistema está desequilibrado?
E não se ouviu mais a voz da Ovelha……
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