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quarta-feira, 30 de julho de 2014

Ivo Pugnaloni, da Abrapch: O sistema era hidrotérmico, agora é termo-hídrico. O Brasil ainda pode virar esse jogo?

“O uso das térmicas não deverá ser reduzido, mesmo que a hidrologia melhore nos próximos anos”. Isso foi o que disse Hermes Chipp, diretor-geral do Operador Nacional do Sistema, no Forum Canalenergia, realizado no Rio de Janeiro esta semana, que debateu o risco hidrológico e o preço da energia para 2015. Segundo o executivo, a estratégia de operação mudou e o sistema precisa de um despacho térmico acentuado, mesmo nos anos em que a hidrologia for próxima à média histórica. “Esse é o novo paradigma da operação futura. O sistema era hidrotérmico, agora é termohidro”, afirmou o executivo.





“Esse é o novo paradigma da operação futura. O sistema era hidrotérmico, agora é termohidro”, afirmou o executivo.
A notícia deve ter agradado aos que dentro e fora do governo, trabalham de forma permanente para acabar com a matriz energética limpa e renovável do Brasil e com o diferencial competitivo que seria o país aproveitar os 170 GW de energia hidroelétrica barata, limpa e nacional, que em 40% do total, está disponível fora da Amazônia, segundo a Eletrobrás.
Tal como a conquista da seleção alemã, este foi um trabalho de muitas décadas, realizado de forma planejada e discreta sob as administrações de Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula e Dilma. Um verdadeiro “7 a 1”, pois o Brasil já foi o maior produtor de energia hidrelétrica do mundo. E não é qualquer um que está dizendo isso, mas o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema, Hermes Chipp.
Embora lamentemos essa situação, é preciso reconhecer que foi um verdadeiro golpe de mestre conseguir que o sistema elétrico brasileiro, o terceiro maior do mundo em disponibilidade de fontes hidráulicas, se tornasse totalmente dependente de combustíveis derivados de petróleo, que são caros, importados e agressivos ao meio ambiente.
Com esse resultado o Brasil agora está sujeito a todo tipo de embargos e conflitos bélicos que ocorrerem no Oriente Médio. É impossível deixar de dar os parabéns aos que se dedicam a impedir ou dificultar ao máximo que o Brasil use agua para gerar energia elétrica, pois trabalhando dentro da maquina estatal ou nas organizações que não possuem vínculos com o governo brasileiro, eles conseguiram algo inimaginável há alguns anos atrás: que o Brasil se tornasse dependente de gás natural liquefeito, óleo diesel e óleo combustível que são importados para poder gerar a energia elétrica que precisa para sobreviver como nação soberana.
Foi brilhante o lobby fóssil ter conseguido que o Brasil fosse obrigado a gastar 53 bilhões de reais em dois anos, só com a operação de térmicas. Não só pelo desequilíbrio que isto causou no sistema, nas contas externas do país e na balança comercial, mas principalmente, pelo impacto que teve e ainda terá sobre as tarifas de energia das residências e das indústrias brasileiras. Graças ao trabalho muito bem feito contra as hidrelétricas, essas tarifas continuarão a ocupar os primeiros lugares entre as maiores do mundo, acabando com a redução anunciada pela presidenta no ano passado. Sem dúvida, este foi um grande feito, principalmente em ano eleitoral.
Será graças a essa elevação tarifária, que o Banco Central já calcula em mais de 30%, que os produtos brasileiros deixarão de fazer tanta concorrência com os produtos dos países centrais.
Afinal, os industriais e agropecuaristas brasileiros não poderiam pretender que, de uma década para a outra, conseguiriam triplicar impunemente sua participação no comércio mundial, prejudicando países que são gigantes históricos nessa área, há muito mais tempo.
Temos que reconhecer que não fosse o trabalho destes profissionais, muitas vezes enfrentando a resistência inconformada de alguns empresários brasileiros de grande, pequeno e médio porte, teria sido muito difícil impedir a construção de quase mil pequenas hidrelétricas de baixo impacto ambiental, todas com reservatórios menores do que 30 campos de futebol , com injeção de mais de 53 bilhões de reais na economia brasileira!
Isso teria sido desastroso para os que desejam a redução ainda maior das taxas de crescimento da economia, sem dúvida.
Trabalhando de forma organizada, sem que quase ninguém pudesse perceber, o time do fóssil importado conseguiu que a conta petróleo do Brasil triplicasse em apenas dois anos, fazendo a balança comercial brasileira apresentar seu pior resultado de décadas, despencando para apenas 13 bilhões de reais, contra mais de 30 em média na década anterior, graças aos gastos com termoelétricas.

É preciso lembrar ainda que se não fosse por este trabalho, o Brasil teria construído 65% de uma nova usina de Itaipu, com 9,2 GW, praticamente sem nenhum impacto ambiental e sem gastar praticamente nada com custeio e combustíveis, mas apenas em investimentos produtivos.
Não fosse essa façanha, que conseguiu remeter para fora do país a enorme importância de 53 bilhões de reais, a essa altura, teriam sido criados milhões de novos empregos com carteira assinada no Brasil. E isso, não apenas para construir e operar, de forma permanente, essas mais de 1000 novas pequenas hidrelétricas, mas também milhares de projetos de conservação, monitoramento e educação ambiental, irrigação, piscicultura, aquicultura, navegação, fruticultura, hortigranjeiros que esse tipo de hidrelétrica possibilita.
Não fosse por este trabalho de mestre, o Brasil teria construído usinas de pequeno porte, de pequeno alagamento, que estariam próximas dos centros de consumo, em lugar das grandes hidrelétricas na Amazônia, evitando conflitos sócio-ambientais que provocaram atraso na entrada de novas hidrelétricas, desgaste externo à imagem do país e tantas outras vantagens para os países centrais.
Não fosse o esforço deste time de especialistas, teria sido praticamente impossível impedir que centenas de pequenas e médias empresas, construtoras e fabricantes brasileiros tivessem viabilizado milhares de pequenas usinas. E não apenas hidrelétricas, mas eólicas, solares, de biogás, de lodo de esgoto, de gás de lixo, de bagaço-de-cana, de biomassa, de baixo impacto ambiental e custos de geração muito baixos.
Tudo isso com tecnologia e insumos totalmente adquiridos no Brasil e não nos países que de forma generosa e desinteressada, tanto contribuem com a luta para evitar o uso da água e das energias renováveis para gerar energia elétrica no Brasil e nos demais países em desenvolvimento.
Imaginem os leitores se o Brasil tivesse conseguido ter tornado viáveis os 17 mil MW de eólicas, os 9,2 mil MW de PCHs e os mais de 8,5 mil GW de térmicas a biomassa já projetados. Sem dúvida, as economias dos países centrais não teriam o impulso que tiveram nestes últimos dois anos e nem o time do lobby fóssil teria prestado essa enorme contribuição que agora deve estar festejando.
A vitória do time fóssil importado ainda não está completa. Ao contrário. Mas o trabalho agora deve se focar em criar o máximo de dificuldades possível para impedir o uso pelo Brasil de sistemas de geração distribuída, já que essa alternativa favorece os pequenos investimentos de baixo custo em geração de energia, prejudicando a atuação livre dos agentes tradicionais do setor e favorecendo à entrada de novos grupos no mercado e que os consumidores possam passar a produtores.
Assim, sua maior missão deverá continuar a ser criar restrições à expansão da geração, usando todos os meios possíveis, sejam eles legais, semilegais ou ilegais. Isso deve continuar até que os brasileiros sejam convencidos pela propaganda de que o enorme potencial hidrelétrico do país “está esgotado” e que o uso do “fracking”, – processo de extração de gás de xisto – é a única alternativa que lhes terá restado se não quiserem sofrer novos apagões.
Aí sim, por meio da contaminação que o “fracking” provocará nos lençóis subterrâneos e em aquíferos como o Guarani, Parecis e outros, a produção agropecuária brasileira irá parar de crescer e de concorrer com a produção dos países centrais mediante a decretação de embargos sanitários. Tal como já ocorre com as maçãs e outros produtos da agropecuária argentina que já estão proibidos de vender nos mercados europeu e japonês.
Isso é fundamental para que Brasil seja impedido de continuar conseguindo sucessivos recordes de produção e exportação em produtos como a soja, o milho e as carnes congeladas, tal como ocorreu de novo em 2013.
O momento é decisivo. Os brasileiros parecem estar acordando para a questão da energia. Até sobre a convocação de uma conferencia nacional de energia elétrica já se está falando no Congresso.
Por isso, continuar impedindo os setores das energias renováveis de crescerem de importância e de atuarem também de forma coordenada é fundamental. Continuar criando dissenções, desconfianças e intrigas, entre as várias fontes do setor renovável, como ocorreu com o episódio da tentativa de retirada dos incentivos para a energia eólica, atribuída de forma inteligente à ABRAPCH junto à grande mídia, é condição essencial para a ampliação do mercado dos combustíveis fósseis na geração de energia elétrica no Brasil.
E principalmente, para promover a introdução do “fracking”, provocando o maior numero de embargos sanitários que for possível ao abastecimento de agua para consumo humano e para a produção de alimentos, devolvendo assim o Brasil ao lugar subalterno que deveria se conformar em continuar ocupando no comércio mundial, voltando dos atuais 1,6% aos 0,7% de 1998. É preciso deixar claro aos brasileiros que seu país nunca mais poderá pretenderl ultrapassar os limites da categoria de reles zero à esquerda, de figurante, de anão cego, que lhe foi reservado na nova ordem econômica mundial.
Não adianta ao Brasil criar um novo FMI e um novo Banco Mundial como fez com a China, Rússia, Índia e África do Sul, países que juntos tem 50% da população mundial.
Afinal, que país pode querer ser mais do que um anão, se ainda estiver atrelado ao preço e às condições de entrega do petróleo para gerar algo tão essencial como a energia elétrica, fatores que são, em grande parte, ditados por aquilo que acontece, a cada dia, nos campos de batalha do Oriente Médio, Iraque e Afeganistão?
Preso pela dependência das termoelétricas movidas a petróleo, o Brasil lembrará sempre um elefante, que desde pequeno é acostumado a ficar preso pela pata a uma pequena estaca e mesmo quando atinge a idade adulta, pensa que não tem força para se libertar.
A semana terminou com a publicação de um estudo do CEPEL que concluiu, “que as hidrelétricas emitem menos gases de efeito estufa do que as térmicas”. Algo que qualquer criança já sabe, mas que o “lobby” térmico já tinha conseguido pendurar no pescoço do elefante brasileiro também.
Esse é o jogo do lobby térmico fóssil importado, dentro e fora dos governos: sempre dizer que é “completamente a favor das energias renováveis”, mas conseguir que na prática este setor defronte-se com as piores condições comerciais possíveis, para sobreviver.
Isso prova que, enquanto os empresários do setor de fontes renováveis não se unirem e não realizarem uma massiva campanha de informação, este setor continuará sendo vítima de todo tipo de acusação, preconceito e campanha difamatória, com cada vez piores condições comerciais para a sua operação.
Esse é o jogo que precisamos “virar”: aumentar o entrosamento de nosso time e nosso relacionamento com a nossa torcida, que é claramente a favor do renovável, mas não tem informações suficientes para “torcer”, como deveria, por nós todos.
Fonte: Canal Energia - 30/07/2014 

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